CRIAÇÕES DE OBRAS.
Os sons divinos andavam por aí, espalhados, notas, claves e bemóis –sonoridades ao vento, enlouquecidas na imensidão vazia... Vieram compositores para lhes dar estrutura e razão: eis a sonata, o samba e a canção. A matéria prima era divina ; mas a forma tinha os contornos de Villa Lobos, Cartola, Dolores Duran e Nelson Cavaquinho, para não citar nenhum presente.
As cores, espalhadas e sem rumo, andavam às turras com o traço, buscando perspectivas na vida e no espaço – vieram os artistas plásticos e pintaram quadros, esculpiram estátuas, grafitaram paredes, e nos fizeram entender o que Deus quis fazer, mas não teve tempo; quis dizer, mas não disse.
As palavras, esses seres estranhos que não existem – são riscos na areia que as ondas do mar apagam; sons, que a leve brisa dissolve com suas carícias – as palavras eram vazias e tortas, desengonçadas – até que chegaram os poetas para domesticá-las, dando-lhes sentido e destino.
Só os seres humanos são capazes de criar Arte e Cultura – que é a coerência com a qual o Artista vê o mundo, corrige e completa a obra de Deus que, assim, se revela e resplandece. Vivam os artistas! Mas coerência nem sempre é virtude, como nem sempre a Moral é Ética.
A Cultura, que faz existir o imaginado, que é invenção do novo, do necessário e útil – e do belo, tão útil como necessário -, pode-se extasiar diante de si mesma e mergulhar nas águas de Narciso. O artista, inebriado pode pensar-se Deus e parir a arte pela arte. Pode, ao contrário, congelar seus caminhos, e se estiolar na repetição.
A Cultura, no fio da navalha, cria, destrói e recria. Quando, querendo instaurar o novo, fixamos nossos caminhos, a cultura se cristaliza na Técnica, que nos permite inventar e apressa o invento, mas que pode nos obrigar a segui-la, e servi-la – ajuda ou atrapalha. Quando fixamos nosso comportamento na sociedade, a Cultura se cristaliza na Moral, tão necessária, mas que pode ser odiosa. Tudo, neste mundo em trânsito, transita.