EXISTEM DIVERSOS CAMINHOS.
Cultura, traduzida em Arte, deve ser criação permanente, revolucionária, conquista do novo, nunca estratificação do conquistado. Pode-se transformar em Indústria, pode-se inserir na Economia, sim, mas desde que o criador seja o Artista, sempre o Artista, e não o produtor, que deve trabalhar com aquilo que foi criado, e não criar limites à criação. O artista cria o que não existia; o produtor, ao que existe, abre caminhos.
Se o produtor serve ao Mercado, deve ter claro que Mercado quer a repetição estéril, do já feito e conhecido, sem sobressaltos; o Artista, quer inovar. O Mercado, eclético, mercadeja arte e sabão em pó, porque ambos são necessários e vendáveis, mas não é justo confundir artista e saponáceo.
É verdade que nós, artistas, queremos vender nossos discos, livros e quadros, queremos a casa cheia, mas não ao preço da renúncia daquilo que nos explica e justifica: a Arte, que será sempre revolucionária, ou nada será.
Repito, sempre, que não temos nada contra o comércio, como tal. Admiro mesmo os comerciantes que fazem do seu comércio uma arte, mas tenho pena dos artistas que fazem, da sua Arte, um comércio.
Cultura, traduzida em Moral, fixa a Tradição. A Tradição, em si, não é boa nem má, pois é criada por sociedades que não são eternas. Devemos cultivar as tradições humanísticas, mas, com energia, rejeitar as cruéis e desumanas.
No mês passado, eu estive na Índia com todo o meu Centro carioca, presidindo a Fundação da Federação Indiana de Teatro do Oprimido, na mesma semana em que foi promulgada uma lei autorizando o Estado a tentar dissuadir os pais de forçarem o casamento de seus filhos crianças. A Lei dizia que, se esses casamentos já tivessem sido realizados, seriam válidos por respeito às tradições familiares. Casar crianças e obrigá-las à convivência, é crime, e nenhuma tradição pode justificar um crime!.
Na mesma semana, foi promulgada, na mesma Índia, outra lei, a que protege as mulheres contra a violência doméstica. Está em vigor. Lei radical, exemplar, que condena e pune, não apenas a violência física e sexual, mas até mesmo o palavrão atirado contra a esposa ou namorada, a tia, a sogra, a filha ou a vizinha. Peço aos legisladores, porventura presentes, que levem em conta a sugestão indiana: seja a mulher quem for, nem palavrão, nem com uma flor.
Exemplos de tradições culturais odiosas não nos faltam e, entre tantas, podemos citar os flagelos que são as guerras coloniais e as imperialistas, disfarçadas ou não; a pena de morte e a escravidão; o Cassino da Bolsa de Valores que faz, do Mercado, um Deus, e o cinema de Hollywood, Deus do Mercado; os genocídios étnicos, passados e atuais; o mundo em chamas.